quinta-feira, 11 de junho de 2015

Das índias - Em Paulo Prado, Retrato do Brasil

vindos além mar, esses homens tão peludos parecem estar perdidos de si mesmos, não seguem senão suas vontades mais toscas que desviam de sua gloriosa missão. mas que paixões seriam maiores do que a nossa gostosura de indiada? que vale o ouro nesta terra de mangas tão maduras? não são estes os melhores homens para dominar esta terra, não parecem estar dispostos a abrir nosso involuto mistério ao qual nem suspeitamos. mas preferimo-os, antes estes perdidos que se acham às longas distâncias do que esses índios que mal caçam sem esquecer o caminho da volta. as moças aqui sequer aprendem a servir, só esse homem, francamente insidioso, que nos arrebata o amor de querê-los servir também com franca servidão. como são amáveis as plumas tecidas às almofadas que lhes servem de uniformes anterior as pinturas, são mais vivos os pássaros em que seu peito se eriçam as penas, que força o corpo franzino demonstra ao mero segurar de punhal. ainda que nossa devoção lhes pregue ocupação, parecem querer fugir. que levem os homens, esses brutos que se esgarçam de coceiras como cachorros pelados, matando-os se assim quiserem, que façam o que lhes servir de bom agrado. que aproveitem também o virgem de nossas moças, e lhes ensinem o muito de compaixão que nos tem ensinado. somos gratos a tudo, mas há homens de outra raça – de variada cor - que nos tratam mal, alguns até parecem  pertencer a indiada. como engraçam ao nosso martírio no breve exalar de fúria, são tão obstinados quanto a paixão daqueles que nos amam. são belos de tão feios, e de admirável força quanto a tudo. estes são os que tanto esperávamos.  feios mesmo só os nossos que conosco vivem,  e que muito estão aprendendo.


17/08/1539

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