Porte du Non-retour - Uidá, Benim
Acabo de ler “Um defeito de cor”,
de Ana Maria Gonçalves, que já se tornou uma das coisas mais importantes que li
na vida. Este livro é um romance histórico e, portanto, tem partes verdadeiras
e elementos ficcionais, sempre muito verossímeis. Ele conta a história de uma
menina-moça-mulher-senhora chamada Kehinde, uma africana que sai da Costa da
Mina, do antigo Reino do Daomé (em território onde hoje se situa o Estado de
Benim), e que chega ao Brasil na condição de escrava aos dez anos de idade.
O livro tem quase mil páginas e
funciona como um panorama da escravidão no Brasil no século dezenove. Através
da protagonista, e também dos personagens coadjuvantes, é possível ir montando
uma espécie de mosaico de possibilidades e de trajetórias possíveis para um
negro escravizado no Brasil.
Muitas das vezes, irrompi em
lágrimas durante a leitura, especialmente nas páginas iniciais, mas também em
alguns momentos no meio do livro e no final. É um livro tão bonito, mas tão
bonito, que é difícil falar sobre ele a partir de uma abordagem historiográfica
sem privilegiar os aspectos estéticos. E, diferente de quase tudo que temos
lido até aqui, este livro é um romance e, portanto, acho relevante ter uma
preocupação com possíveis spoilers.
Mas tentarei ser breve em relação às minhas impressões, elencando alguns pontos
principais a serem explorados sobre esse romance bastante rico.
O primeiro deles, certamente, um
dos pontos a ser marcado por todo mundo que o leu, é a crueldade da escravidão.
Trata-se de uma obviedade. É óbvio que a escravidão foi uma instituição
deplorável e cruel na história do Brasil (mas é sempre importante reforçar o
óbvio em tempos de ‘escola sem partido’). Mas a gente sabe por alto da
crueldade, a gente não a vê, não a sente. Com alguma frequência vejo pessoas
comparando a escravidão negra ao holocausto judeu. Essa comparação pode ser
facilmente apontada como descabida (e muitas das vezes o é), mas é possível ver
similitudes entre um processo e outro, especialmente na forma como o respeito à
dor é vivenciado na posteridade. Enquanto na Alemanha existe o Museu do
Holocausto e enquanto Hollywood explora essa temática em uma miríade de filmes
e mais filmes que tentam impingir a dor judia da Segunda Guerra a todo e
qualquer espectador, por aqui, temos o Cais do Valongo, arqueologicamente
revisitado, mas culturalmente pouco sentido, pouco experimentado. Temos também
o Museu do Negro, em São Paulo, que é muito bonito, e muito necessário, mas não
é o Museu da Escravidão. Penso que este é ainda um museu que está para nascer
(e pode ser até que já exista e eu não conheça). Mas imagino que deva ser algo
forte, impactante, com a experiência de entrar em um navio negreiro e sentir os
odores, os gritos, algo impressionante mesmo. Na Praça Mauá, este neolugar do
Rio de Janeiro que acaba de sofrer uma Pereira Passificação, existem dois
museus construídos recentemente – o MAR (Museu de Arte do Rio) e o Museu do
Amanhã. Neste lugar tão caro à história negra carioca e brasileira, nenhum
museu sobre a escravidão, sobre a negritude, sobre as religiões
afro-brasileiras, nada. No máximo, ouvi dizer que há uma estátua recém-inaugurada
do João Cândido, o marinheiro negro, mas ainda não sei onde ela está. O projeto
megalômano de Santiago Calatrava contribuiu para transformar o Museu do Amanhã
no provável museu mais visitado do Rio. O problema é que olhamos para o amanhã
sem entender e sem aceitar o nosso ontem. Não só a escravidão, mas se pensarmos
também na ditadura militar, cuja Comissão Nacional da Verdade foi fraquinha e
pouco deliberativa, a impressão que fica é a de que somos um povo muito
abnegado em relação à própria história. A ânsia em ser esse país do futuro que
nunca chega faz com que a gente vá atropelando tudo, passando por cima das
compreensões do que somos e das dores que sentimos e que herdamos. Estamos
sempre ansiosos em virar a página, e é por isso que somos capazes de lotar o
Museu do Amanhã diuturnamente, mas essa página que todo mundo quer virar faz
parte de um livro que quase ninguém está lendo.
Por falar em livro, permitam-me voltar
a ele. Penso que nunca li nada mais feminino do que este livro (talvez “A hora
da estrela”, da Clarice Lispector, mas só talvez). “Um defeito de cor” conta a
saga de uma mulher negra no Brasil, e foi escrito também por uma mulher negra
no Brasil. Neste livro, vemos a vida sempre através dos olhos de uma mulher.
Além da Kehinde, as outras grandes personagens do livro também são mulheres,
como a Esméria, no papel social de mãe, a avó africana, as amigas Claudina e
Adeola, etc... É através desses olhos que vemos a relação de maternidade, a
relação com os homens, a relação com as outras mulheres.
Por falar em maternidade, lembrei
muito da minha mãe com esse livro. Acho que ele me ajuda a compreendê-la melhor.
Foi minha mãe quem primeiro o leu e me indicou, mas, além disso, vejo nela um
pouco da Kehinde, que tem toda essa coisa de ser uma mulher lutadora, que vai
atrás da própria história e vai abrindo caminhos. Minha mãe, assim como a protagonista
da história, vai resolvendo e direcionando a vida daqueles que a cercam,
enquanto toca a própria vida. Até terminar o livro, sempre entendi esse ‘ir
resolvendo e direcionando a vida do outro’ a partir de um julgamento que enquadrava
essa conduta como ‘não deixar o outro escolher seu próprio caminho’,
‘personalidade controladora’, ‘invasão de privacidade’, etc... Agora, finda a
leitura, percebo que esse comportamento (além de uma característica intrínseca
de sua própria personalidade) está mais associado às redes de ajuda mútua, em
que cada um vai cuidando um pouco de todos. Quem pode mais, cuida mais, quem
pode menos, é mais cuidado. Essas redes de ajuda mútua são mais valorizadas por
quem é ou por quem já foi mais pobre, onde a presença do Estado é menos
garantidora dos direitos fundamentais, e onde a pessoa que está ao lado é,
muitas das vezes, a única que pode fazer diferença na sua dignidade e na sua
condição de vida. Além disso, esse senso de comunidade, além de um aspecto
cultural associado à pobreza, parece ser uma noção especialmente importante
para a comunidade negra brasileira, que teve que se virar de forma comunitária
após seus integrantes chegarem escravizados oriundos dos navios negreiros
partidos da África. Nesse sentido, quando julgo os aspectos da vida comunitária
como invasivos, percebidos na minha mãe ou em qualquer outra pessoa, penso que
acabo por me enquadrar num padrão de vida mais eurocêntrico, em que a minha
vida é importante individualmente, em que a privacidade é um valor inalienável,
em que a minha vida acontece na comunidade, e às vezes até com a comunidade,
mas sendo sempre possível separar ‘vida’ e ‘comunidade’, quando as coloco em
duas palavras e sei mais ou menos o que uma quer dizer independentemente da
outra. Por isso, apesar de ter a pele mais clara, acho que a minha mãe é mais
negra do que eu, e essa dicotomia comunidade x individualidade, provocada pelo
livro da Ana Maria Gonçalves, é um dos elementos que reforçam a impressão que
tenho de mim mesmo como um negro embranquecido.
Ser negro e ser branco compõem
experiências de vida muito diferentes, especialmente no Brasil, onde a marca da
cor e das diferentes nuances sempre se faz sentir de maneira muito marcada.
Nesse sentido, uma das passagens do livro que mais me fizeram pensar foi uma
cena bem no início, em que a protagonista brinca com a sinhazinha, ambas
mexendo numa boneca. A sinhazinha coloca suas vontades ao brincar com a boneca
e, por haver uma relação senhor-escravo entre a sinhazinha e a Kehinde, é esta
a vontade que prevalece. Mas à Kehinde também é dada a oportunidade de dizer o
que quer fazer com a boneca, ao que ela, portanto, diz, mas a sinhazinha faz
com a boneca o exato oposto do que ela pediu. Então, numa manobra bastante
astuta, e talvez pela primeira vez percebendo efetivamente como as coisas
deveriam ser conseguidas a partir de sua nova condição de escravizada, a
Kehinde entende que para conseguir o que quer, ela deve pedir o exato oposto de
sua vontade. Mas por que essa passagem é importante e por que ela me tocou em
particular? Porque penso que ser negro (em especial no Brasil) é, de certa
maneira, viver sob a égide de uma lógica torta, completamente própria, e que
desafia o tempo todo a racionalidade. Durante muitos anos (e até hoje) sou
instado a não raspar a cabeça, porque isso me ‘torna’ mais negro aos olhos da
sociedade. Portanto, sou percebido como mais perigoso. Daí decorre que o risco
que opto por correr ao andar pela rua tem a ver com o meu corte de cabelo, o
que não faz nenhum sentido. Existe um medo muito grande de ‘ser confundido com
bandido’, o que um jovem branco certamente nunca pensou. Logicamente, um jovem
branco pode argumentar que não existe isso de ser confundido com bandido, que
para que alguém seja enquadrado como criminoso tem que haver flagrante delito
ou julgamento por um tribunal, etc, ou de que ninguém deve precisar provar nada
para ninguém, que são os outros que têm a responsabilidade de provar a sua
culpa, etc... A lógica da presunção da inocência não existe direito quando se é
negro, de forma que é preciso, o tempo todo, se preocupar em prová-la.
As
coisas ditas no parágrafo anterior certamente não são novidade para ninguém, mas o
ponto que eu queria marcar é que ser negro não é apenas uma diferença de tom de
pele. Não é sequer uma diferença de acessos ou de carga de preconceito. Ser
negro é viver em uma lógica irracional, e de certa forma aceitá-la, entendê-la
e negociar com ela, o tempo todo. É por isso que ser preto é tão diferente de
ser branco, quase ao ponto da incomunicabilidade. Esse é o desafio que deveria
ser proposto à Márcia Tiburi (que tanto promove o diálogo), que é como
estabelecer o diálogo e as tais pontes entre as pessoas se o que as difere não
é tão-somente uma disputa de posições, mas uma vida inteira engendrada através
de signos e códigos que não são intercambiáveis. Como, finalmente, acessar o
Outro a partir de meu penhasco se só o que consigo ver é o abismo sob meus pés,
procurando do lado de lá um outro planalto, mas ignorando completamente a
quantidade de vida microscópica existente no ar, a fauna das aves, os mamíferos
que habitam o chão lá debaixo que não consigo ver, as espécies vegetais que
crescem no meio das pedras, o campo eletromagnético que corre por entre todos
esses seres, se o Outro na verdade pode ser cada uma dessas coisas; ou seja,
como aceder a esse Outro, se não consigo vê-lo, entendê-lo, descobri-lo
inclusive perto de mim, se do meu ponto de vista, que sempre procuro no Outro
aquilo em que de alguma forma eu reconheça algo do que também sou, tudo
permanece no campo do obscuro e do insondável? Para onde, finalmente,
deveríamos erguer essas tais pontes?
Talvez, se pudéssemos erguê-las
para a África, poderíamos entrar em contato com uma parte de nós que é sempre
ignorada. Ao final do livro, quando a protagonista retorna ao continente
africano, somos apresentados a uma parte de nossa história que poucos conhecem:
a presença dos brasileiros retornados à África. Pretos saem de sua terra natal
como escravos em direção ao Brasil, e procuram se manter africanos nas
religiões e nas tradições, como uma prova de resistência, de
não-embranquecimento. Mas, ao voltar para a África e levar para lá, de volta, o
que se viveu do Brasil, eles são encarados como brasileiros (ainda que sejam
africanos de nascimento). Eles carregam costumes brasileiros, trazem consigo a
religião católica, o modo de se vestir das pretas da Bahia, o modo brasileiro
de se construir casas. E se estabelecem em bairros brasileiros, formando
comunidades de prestígio, e com algum grau de influência nos poderes locais. Em
algum momento da história, fiquei com a impressão (que pode estar equivocada)
de que esta comunidade de brasileiros poderia exercer alguma espécie de
protetorado no antigo reino do Daomé, como fez a França nesta região que veio a
se tornar o Benim e a Inglaterra naquela que veio a se tornar a Nigéria. O fato
é que, a despeito da influência local dos brasileiros no Daomé no século
dezenove, não fomos capazes de manter a perenidade desse laço, e hoje, nas
cidades da antiga Costa da Mina, especialmente no trecho que vai de Uidá a
Lagos, há pouquíssima vinculação afetiva, técnica e financeira com o Estado
brasileiro. Hoje, não há voo direto do Brasil para o Benim ou para a Nigéria
(diferentemente de Angola, com voos saindo do Rio de Janeiro e que, assim, como
Moçambique, parecem manter um certo laço afetivo, cultural e econômico com o
Brasil, provavelmente por causa da lusofonia). Uma outra coisa que me ocorre em
relação a esse fenômeno é a de que a história do povo negro no Brasil é
suficientemente desvalorizada para que ninguém saiba esta história dos
retornados. Mas já me deparei com longas reportagens sobre a saga e o drama dos
dekasseguis, os brasileiros filhos ou netos de imigrantes japoneses que optam
por voltar ao Japão, ficando numa espécie de limbo em que não se sentem nem
plenamente brasileiros e nem japoneses. Como gostam de dizer por aí, ainda mais
nesses tempos olímpicos, a questão dos dekasseguis é costumeiramente colocada
como uma ‘história de superação’.
Aliás, uma das curiosidades que
tive nesta parte que fala sobre os retornados brasileiros à África foi sobre
estas cidades africanas que a protagonista menciona. Lagos é a capital da
Nigéria, uma das maiores cidades da África hoje, isso já sabemos. Mas e Cotonu?
E Porto Novo? E Uidá? Cotonu é hoje a capital do Benim, cidade costeira do
antigo Reino do Daomé. Porto Novo, esta cidade com nome assim mesmo em
português, é uma outra cidade importante do Benim. Uidá, cidade na qual a
Kehinde embarcou em direção ao Brasil, é mais uma cidade litorânea do Benim,
também chamada de Ajudá, por causa do Forte São João Batista da Ajuda. Esta
cidade ficou muito tempo sob domínio português, só tendo sido reconhecida pelo
governo de Portugal como pertencente ao Estado de Benim em 1975 (a partir de
dados da Wikipédia). Mas o mais interessante sobre Uidá é que o porto de onde
embarcaram os escravos para o Brasil ficou conhecido como Porte du Non Retour,
ou Porto do Não-Retorno, e hoje é adornado por uma espécie de pórtico, belo e
triste, que traz à lembrança dos vivos a memória daqueles que jamais
retornaram, ou que nem mesmo chegaram vivos ao outro lado do Atlântico.
Os que não retornaram e que,
portanto, ficaram no Brasil contribuindo para a formação de nossa brasilidade
(se é que isso existe), trouxeram ao Brasil muitas religiões. Se hoje, pensamos
apenas no candomblé, e na já afro-brasileira umbanda, é importante lembrarmos
dos nkisis, conjunto de práticas religiosas de Angola, e do culto aos voduns,
aos eguns e aos egunguns, também originários do mesmo território africano (Reinos
de Daomé e de Oyó) de onde vieram os orixás do candomblé. As religiões
afro-brasileiras são muitas, mas sempre acabamos por tratar tudo como uma coisa
só, em geral no reducionismo do termo ‘macumba’.
Por falar em reducionismo, e já
me encaminhando para fechar o texto, gostaria de falar sobre o título do livro,
“Um defeito de cor”. Ainda estou sem saber se gosto ou não do título, e acho
que esse é um assunto bem interessante para discussão (não o meu gosto, mas os
motivos que estão por trás desta escolha estética). Este livro é certamente a
coisa mais empoderadora que já li quando se fala sobre a questão negra no
Brasil. E o título é bastante provocador, apontando para o fato de que a cor
era considerada um defeito (e não uma característica) na época da escravidão;
algo a ser corrigido, e não algo a ser aceito. Eu, negro, no século XXI, sei
que a cor não é defeito, sei dessas coisas todas. Mas quando abro este livro no
ônibus e começo a folheá-lo, sempre fico com medo de parecer racista para
aquele que senta ao meu lado. Porque o outro (o outro, o Outro, de quem tanto
se fala) só vê a capa e o título, mas não sabe efetivamente o que está contido
naquelas quase mil páginas. E embora esta capa possa servir para que ele
pondere consigo mesmo se a cor é um defeito ou não, penso que ele pode estar o
tempo todo secretamente me julgando, em sua própria razão, pensando “olha lá o
cara racista lendo um livro que fala sobre a cor como sendo um defeito”. Como
sempre tento pensar exemplos em paralelo para ver se minha paranoia se
justifica, me imaginei sentado no mesmo banco, abrindo um livro grosso em cuja
capa houvesse uma enorme estrela de Davi, com o título “A religião errada”, que
me parece ter uma carga semântica similar a ‘um defeito de cor’. Será que eu
seria percebido como anti-sionista pela pessoa ao meu lado? Será que daria ao
outro a possibilidade de me abordar dizendo “desculpe interrompê-lo, eu vi seu
livro e queria dizer que não existe religião errada”, ou “desculpe incomodar,
mas cor não é defeito”.
O título do livro me levou a esse
tipo de pensamento praticamente todas as vezes em que precisei me sentar ao
lado de outra pessoa, especialmente se esta pessoa era preta. Quando era preta
e parecia rica e culta (com cara de professora/aluna da PUC), pensava que este
livro, a despeito de seu título, era uma espécie de troféu no meu julgamento,
porque ela certamente saberia do que se tratava, já leu ou já teria ouvido
falar, e me veria como alguém realmente empenhado na luta contra o preconceito,
uma pessoa empoderada. Entretanto, se a pessoa ao meu lado fosse preta, mas
aparentemente pouco estudada e pobre, eu pensava que este livro pudesse ser
visto como uma ferramenta opressora, algo que legitimasse e endossasse a
experiência daquela pessoa, que muito provavelmente sempre teve sua cor
encarada como um defeito pelos que a cercam e, eventualmente, também por si
mesma.
Este título dúbio, ambíguo, me
faz pensar no binômio opressão x empoderamento, algo sobre o qual sei que
preciso pensar e escrever com mais calma, mas cujo mote central é o de que as
coisas não são em si mesmas empoderadoras ou opressoras, mas de que a opressão
e o empoderamento tem a ver com o uso que se dá a essas coisas, à maneira pela
qual, uma vez emitidas, elas cruzam a fronteira da alteridade e, após as
turbulências e alterações de rumo na fronteira difusa que nos separa do outro,
sempre chegam do lado de lá sem que tenhamos muito controle se a mensagem que
foi captada é algo que empodera ou algo que oprime, isto é, de maneira
independente da nossa intenção prévia ao emitir uma mensagem para oprimir ou
para empoderar.
Mas, apesar dessa dicotomia, o
que ficou mais claro para mim após essa questão da percepção quanto ao título
do livro é que o racismo, para além de seu caráter mais brutal, no que tem de
ofensa, diminuição do outro, negação de sua humanidade, etc, é também algo que
está impregnado de sutilezas, algo tão frágil e difuso que torna necessário que
a questão da cor da pele, absolutamente estruturante para entender a realidade
brasileira, seja pensada em cada objeto que se carrega, em cada passo dado, em
cada mirada, em cada metáfora, em tudo que há.
A questão da cor é ubíqua.
Pensá-la, também de forma ubíqua, é inescapável.