Concordo que não seja um filme
sobre o racismo. É no entanto um símbolo poderoso da luta contra o racismo. Um
filme só com pretos que ganha o Oscar e força milhões de espectadores racistas
e homofóbicos que vão ao cinema por causa do Oscar a assistirem (pelo menos uma
parte, até saírem revoltados da sala) um filme de sensibilidade impar e de
humanidade suave e sublime.
No passado o cinema precisava de histórias de redenção, onde
o protagonista saia de um lugar ruim e passava por uma série de desafios e
obstáculos para chegar a um lugar melhor. Dos anos 60 pra cá essa abordagem
Didática e moralista foi cedendo lugar a uma visão mais realista e humana na
qual ser bom ou mau depende das circunstâncias em que nos encontramos e não se
trata mais de uma dicotomia atávica. O mau pode ser bom às vezes e o bom mau
também. É possível um filme em que uma criança encontre amor em um traficante e
se torne ele próprio traficante apesar da mãe viciada. Ele começa no fundo do
poço e não sai dele. A história é uma história de sua humanidade. O roteiro não
está mais tão preocupado com a narrativa “externa” mas com a narrativa interna.
O percurso que um individuo, oprimido, perseguido, sem figura paterna clara e
com uma mãe dependente faz para encontrar a si mesmo. Para fazer as pazes com
sua sexualidade.
Presta um enorme serviço a causa gay dado que não é muito
comum ver traficantes ‘malvados’
sendo humanos, gentis e carinhosos. Muito menos sendo gays. O reencontro dele no bar com o amigo
com quem iniciou sua vida sexual é desconcertante da dificuldade de
comunicação, timidez, fragilidade do pequeno Little que retorna com força no
homão que Black se tornou. É tão bonito.
Não consegui encontrar metáforas bonitas como a dos quatro
elementos que o Pablo Vilaça identifica, ou a força da água na gestação de um
novo homem. Sinto, no entanto, que a reflexão sobre a questão da sexualidade é muito
mais complexa em ambientes ‘macho’ onde o estado de natureza é a norma na relação
com os indivíduos. Demonstrar força é incompatível com a percepção generalizada
sobre o homossexualismo. Para gays em contextos agressivos e pouco acolhedores
a questão deixa de ser uma escolha e passa a guardar relação com a sua sobrevivência.
Mais uma exclusão dentre tantas outras já vividas cotidianamente. Em tempos de ‘internação
compulsória’ Moonlight é um grito de
humanidade que pode subsistir nos contextos mais embrutecidos da existência.
Eu queria mesmo era escrever sobre “As prisioneiras”. Tem
muita relação com esse filme, mas como ninguém leu, vou me abster e adiar esse
prazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário