segunda-feira, 29 de maio de 2017

A cracolândia do sublime





Concordo que não seja um filme sobre o racismo. É no entanto um símbolo poderoso da luta contra o racismo. Um filme só com pretos que ganha o Oscar e força milhões de espectadores racistas e homofóbicos que vão ao cinema por causa do Oscar a assistirem (pelo menos uma parte, até saírem revoltados da sala) um filme de sensibilidade impar e de humanidade suave e sublime.

No passado o cinema precisava de histórias de redenção, onde o protagonista saia de um lugar ruim e passava por uma série de desafios e obstáculos para chegar a um lugar melhor. Dos anos 60 pra cá essa abordagem Didática e moralista foi cedendo lugar a uma visão mais realista e humana na qual ser bom ou mau depende das circunstâncias em que nos encontramos e não se trata mais de uma dicotomia atávica. O mau pode ser bom às vezes e o bom mau também. É possível um filme em que uma criança encontre amor em um traficante e se torne ele próprio traficante apesar da mãe viciada. Ele começa no fundo do poço e não sai dele. A história é uma história de sua humanidade. O roteiro não está mais tão preocupado com a narrativa “externa” mas com a narrativa interna. O percurso que um individuo, oprimido, perseguido, sem figura paterna clara e com uma mãe dependente faz para encontrar a si mesmo. Para fazer as pazes com sua sexualidade.

Presta um enorme serviço a causa gay dado que não é muito comum ver traficantes ‘malvados’  sendo humanos, gentis e carinhosos. Muito menos sendo gays.  O reencontro dele no bar com o amigo com quem iniciou sua vida sexual é desconcertante da dificuldade de comunicação, timidez, fragilidade do pequeno Little que retorna com força no homão que Black se tornou. É tão bonito.

Não consegui encontrar metáforas bonitas como a dos quatro elementos que o Pablo Vilaça identifica, ou a força da água na gestação de um novo homem. Sinto, no entanto, que a reflexão sobre a questão da sexualidade é muito mais complexa em ambientes ‘macho’ onde o estado de natureza é a norma na relação com os indivíduos. Demonstrar força é incompatível com a percepção generalizada sobre o homossexualismo. Para gays em contextos agressivos e pouco acolhedores a questão deixa de ser uma escolha e passa a guardar relação com a sua sobrevivência. Mais uma exclusão dentre tantas outras já vividas cotidianamente. Em tempos de ‘internação compulsória’  Moonlight é um grito de humanidade que pode subsistir nos contextos mais embrutecidos da existência.




Eu queria mesmo era escrever sobre “As prisioneiras”. Tem muita relação com esse filme, mas como ninguém leu, vou me abster e adiar esse prazer.  


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