segunda-feira, 11 de julho de 2016

Um artista perdido na política


Minha expectativa ao ler o livro “Minha formação”, de Joaquim Nabuco era ler um livro sobre escravidão e sobre as ideias que levaram o autor a se tornar um abolicionista. Imaginava encontrar um autor apaixonado pela questão da igualdade racial e revoltado com a brutalidade humana. Não foi o que encontrei, fiquei surpresa por não ser a escravidão o principal tema do livro, mas não me decepcionei. Achei que várias outras questões interessantes também foram abordadas.
 
Logo no início percebi estar lendo um grande escritor. A prosa de Nabuco foi bastante agradável e, como ele mesmo se definiu, é uma prosa rítmica, com um pouco de sentimento, pensamento e poesia. A dimensão poética aparece de forma mais proeminente em alguns pontos do texto, e algumas passagens são de uma beleza intensa.

Além de seu talento literário, o autor mostra ser idealista e otimista. Acredita que a natureza humana é boa, elogia fortemente a cultura inglesa, mostra gratidão a seu pai e a homens que o inspiraram, compadece-se do sofrimento dos escravos e revela que se engajou na luta pela abolição por acreditar estar fazendo um grande bem para a humanidade. Tudo isso me inspirou simpatia e admiração pelo autor. Joaquim Nabuco foi um membro da elite e teve contato com as pessoas das mais altas posições sociais. Ele chega a se desculpar por descrever suas histórias em meio a aristocratas. Ele fala que foi atraído pelo magnetismo da realeza, mas foi da mesma forma impactado pelo sofrimento dos escravos. Em um capítulo final do livro ele cita sua infância em um engenho e sua convivência com os escravos.

Foram tantas questões suscitadas, que eu seria capaz de escrever vários textões, mas, o tempo me obriga a tentar ser breve, então vou citar apenas algumas. Primeiro, a questão é política. O autor, que foi diplomata e deputado, afirma que seu interesse na política é mais intelectual que prático e critica o ambiente dos partidos, que ele acredita ser limitador de opiniões individuais. Muito interessante para mim foi a defesa que o autor faz da monarquia constitucional inglesa, aquela em que “o rei reina e o parlamento governa”. Afora o excesso de idealização da cultura inglesa, que muitas vezes beira a ingenuidade, fiquei surpresa em encontrar bons argumentos em defesa da monarquia. Na verdade, diante de meu escasso, para não dizer nulo, conhecimento de ciência política, eu já tinha refletido nas desvantagens de um sistema democrático presidencialista como o nosso e o americano e achei interessante observar num livro de mais de cem anos atrás algumas das mesmas críticas que eu já havia feito mentalmente.  

Ele se mostra um conservador.  Fala umas coisas interessantes, como o fato de a democracia inglesa não ter surgido a partir de uma revolução que derrubou a nobreza e de como na verdade foi conveniente à monarquia que tenha havido reformas republicanas que deram maiores direitos ao povo. Isso me fez pensar em como reformas podem ser meios interessantes de manter certas instituições ainda no seu lugar de poder. É mais ou menos como a fofice do papa Francisco salvando a Igreja de perder ovelhas no grande pasto global.
Inclusive há uma parte do livro em que o autor descreve uma espécie de fórmula para que o jeitinho conservador mude as coisas. Ele diz que são regras do espírito inglês: conservar tudo que não seja obstáculo ao melhoramento, só demolir o que for prejudicial, fazer mudanças inicialmente provisórias -como prevenção para o caso de não dar certo- e reformar o que se tem de antigo.

Na verdade eu concordo que são regras bastante sensatas e tendo a achar que, vivendo numa sociedade que eu considerasse boa e justa, acharia desejável seguir essa fórmula. Mas eu particularmente não consigo ver certas injustiças sociais e recalcar meu sentimento revolucionário. Antes de ser contra a destruição de tradições que não fazem mal algum, sou a favor do direito legítimo que as classes oprimidas têm de romper o pacto social por meio de todas as formas possíveis, inclusive pela via da violência, que pode ser um ato de legítima defesa.

Já o autor se posiciona contrariamente a atitudes revolucionárias e diz que no republicanismo, no comunismo, no socialismo e no anarquismo, a revolução parte de inveja. Ele se diz a favor de revoluções “da língua e da pena”. Curiosa essa opinião ter vindo de alguém que afirma ser a favor das liberdades individuais e da igualdade perante a lei. O autor diz admirar a monarquia constitucional pelo fato de a Câmara dos Comuns ser sensível à vontade popular e por crer que exista liberdade e igualdade de direitos na Inglaterra. Mas deixa de levar em consideração que a Inglaterra era uma nação colonialista.

Interessante também a comparação entre EUA e Inglaterra, que seriam protótipos de república e monarquia mais avançadas. Joaquim Nabuco critica bastante os EUA, que descreve como país corrupto, cheio de politicagem e com justiça parcial. Parece até o Fabio Boechat falando do Brasil de hoje. O que eu, claro, adorei.  Muito interessante também a concepção que ele tem do “estado mínimo” americano. Em nenhum momento ele cita essa expressão e nem flerta com as ideias dos teóricos do liberalismo. Mas ele não deixa de citar essa questão do Estado “fraco” americano. Para ele, o povo americano não se interessa por política e não se importa em ter um governo ruim, pois a maior preocupação dos americanos é com questões materiais. Vale notar também que ele crê que o sistema político americano tende a atrair para seus quadros homens de moral inferior, pois já é percebido por todos como um local de corrupção. Exatamente o que se tem dito do Brasil hoje. Ele também pontua que a questão da igualdade nos EUA não é absoluta, pois não contempla outras raças além da ariana.

Algumas opiniões do autor me impactaram, por serem muito diferentes do que eu penso. Ele acredita que a razão é superior à emoção e que a humanidade está num processo de evolução, caminhando para um estado mais racional. Ele usa esse argumento quando diz que a calma do espírito nacional, necessário segundo ele para um governo efetivo, é fortalecida na monarquia pelo fato de a realeza servir como uma instituição cerimonial e diz que “enquanto a humanidade tiver mais razão que emoção, a monarquia será um governo forte”. Não creio que devemos opor razão e emoção, ainda mais considerando a razão como algo superior.
Além disso, o autor acredita que as diferenças entre as nações podem ser explicadas por motivos biológicos, por diferenças raciais. Não pude deixar de perceber essa ideia e julgá-la a partir do meu prisma. Ou seja, não me agradou esse pensamento. Mas, ao mesmo tempo, o autor não vai fundo no tema, portanto, seus preconceitos me afetaram menos que o ódio racial que encontrei no texto do Alcântara Machado.

Queria ter mais tempo para pensar e escrever sobre como Joaquim encarou a questão da escravidão e da abolição. Mas vou apenas citar o que achei mais marcante. Uma coisa é a tentativa que ele faz de aliviar a culpa do lado dos senhores. Ele cita que os escravos eram gratos a seus senhores e diz que, foi criado num engenho e tinha carinho pelos escravos que pertenciam a sua família. Ele procura até mesmo colocar a escravidão no Nordeste como menos desumana que a do sul. Segundo ele, os escravos pro senhor de engenho do Nordeste naquele tempo eram apenas questão de prestígio e era no sul que eles eram obrigados a trabalhar pesado. Achei interessante, porque vemos com isso como o tema da escravidão ao ser apropriado pelos “brancos”, os fez ser ao mesmo tempo os acusadores e os réus num mesmo juri.

Por fim, quero citar apenas que Nabuco lamenta que a abolição tenha se dado sem a devida indenização aos ex-escravos. Não vou me delongar mais, mas acredito que essa questão da indenização é fundamental e nunca foi discutida no nosso país o quanto mereceria ser. Hoje podemos ver o resultado da escravidão e da falta de indenização por toda parte, e ás vezes fico me perguntando até quando.

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