domingo, 12 de junho de 2016

Primeiramente, fora Temer.


Por conta da dificuldade que tive no ultimo livro em escrever meu textão, desta vez fiz diferente: à medida que lia, escrevia um mapa mental com minhas impressões sobre cada capítulo. Este método me ajudou bastante em relação à escrita, mas levei muito mais tempo na leitura. 

No livro Vida e Morte do Bandeirante, de Alcântara Machado, alguns modelos de pensamento já eram esperados. O papel da mulher, do patriarca, do negro e do índio na sociedade daquele tempo. Espera encontrar, além disso, pistas de como o bandeirante de outrora se transformou no paulista de hoje.

Uma passagem logo no início me chama atenção, que transcrevo a seguir: “pouco nos interessam as pousadas onde pousa a gente somenos: não varia no tempo e no espaço o espetáculo da miséria humana”. Algumas questões me vêm à mente: numa sociedade de brancos miseráveis e negros escravizados e, por isso, também miseráveis, havia sim uma variação nas misérias. A qual delas o autor se refere? Será que ele considera miséria somente a falta de que sofre o homem branco? Mesmo ciente de que o livro não se propõe a discorrer sobre a miséria nos tempos dos bandeirantes, a frase me soa um tanto arrogante. Pode ser uma interpretação equivocada minha, causada pela minha dificuldade em compreender o português do ano de 1929. Por isso, gostaria de saber a impressão causada nos outros integrantes do grupo. Outra ideia que surge da afirmação é que o autor pode ter feito uma critica à imutabilidade da situação de miséria que havia no Brasil. Bem, a ver a impressão dos meus colegas.

Algumas curiosidades sobre o cotidiano do paulista no capítulo “A baixela”. Entre elas, o compartilhamento de copos, vasilhas de água e pratos. Prato cheio – se me permitem o infame trocadilho – para doenças transmissíveis pela saliva. Ao menos, segundo Alcântara, quem fosse compartilhar o mesmo prato preocupava-se em lavar as mãos. Ainda sobre os costumes, no capítulo “Fatos de vestir, joias e limpeza da casa” aparece a figura de um grande manto, que esconde também o rosto da mulher, ademais do corpo, do qual não havia ouvido falar. Além disso, o fato de se vestirem “pobremente” é uma novidade para mim, pois tinha como imagem de um bandeirante um homem que se vestia com fidalguia (foto abaixo), o que não é real, segundo o autor.


Representação da vestimenta dos bandeirantes
Podemos trocar pelo Pixuleco, se quiser

No quesito vestimenta pode-se observar que, ainda hoje, os paulistas não evoluíram muito. Basta verificar que em alguns domingos do ano escolhem usar uma camisa verde e amarela de uma instituição corrupta, clamando pelo fim da corrupção (???) e de "isso tudo que tá aí, meu", conhecida como as “vestes do coxinhismo”. Repare só:



Em “O dinheiro e os sucedâneos” Machado discorre sobre o fato de o paulistano considerar-se incorruptível, tal qual seus maiores lusitanos, “no que se refere à questão” do dinheiro. Mas a ética não se mostra tão rígida quando, em “Índios e tapanhunos”, o autor começa a desvendar os subterfúgios dos bandeirantes para mascarar a posse de escravos, proibida na época. Chegam à grandeza de colocarem em seus testamentos que seus órfãos não deveriam maltratar seus escravos. Ora, o fato de ter de explicitar tal pedido em testamento, na minha opinião, revela que os flagelos eram regra e que dependiam da súplica do defunto ou de leis para contê-los. E, ainda assim, não creio que bastasse para que não ocorressem. Mesmo sob castigos físicos, quando os escravos se rebelavam contra quem os capturava, como ocorreu em 1652, eram considerados naturalmente daninhos, uma estupidez sem fim. Decoro e ética parecem também não ser atributos dos sacerdotes metropolitanos. Distantes muitos quilômetros do Vaticano, o voto de castidade é esquecido e de(lei)tam-se com as índias e negras da nova terra. Uma dúvida que me surge é se estes casos eram consensuais ou estupros.

Durante a leitura do livro Vida e Morte do Bandeirante me peguei diversas vezes com a dúvida sobre o que eu buscava entre aquelas palavras. Porque por vezes o autor ficava tão preso a nomes de pessoas e de utensílios que eu acabava me perdendo. Em outras passagens, porém, o motivo da escolha do grupo por este livro voltava com força. Era quando Alcântara Machado se permitia adentrar na personalidade do bandeirante paulistano. Poucos foram estes momentos, mas diria que a escolha valeu a pena.

Por fim, no meio de tantos nomes e sobrenomes ainda hoje conhecidos, senti falta dos nomes dos índios e negros. O termo “peça”, utilizado para pessoas escravizadas é tão humilhante e representa o quão sem identidade um escravo era tratado. Algo como um vaso, um móvel, ao qual não se nomeia, não se distingue a não ser pela aparência, como por exemplo, ao chamar os índios de negros de cabelo corredio, como aparece em alguns testamentos. Nenhuma citação à individualidade. Nenhuma. Não sei se isso deve-se ao trabalho notarial, que ainda hoje tem problema em batizar nomes de outras etnias, como ocorreu recentemente*, ou se realmente os nomes de índios e escravos eram simplesmente desconsiderados. Quantas Makedas já teriam sido registradas se estes nomes tivessem feito parte dos alfarrábios históricos brasileiros, como estes aos quais Alcântara Machado recorreu para escrever seu livro?

Beijo procês!

*http://extra.globo.com/noticias/rio/casal-nao-consegue-registrar-filha-com-nome-africano-cre-em-racismo-18941185.html


Nenhum comentário:

Postar um comentário