segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O problema do poeta público


Carlos Alves seria um poeta romântico típico: escrevia poemas com temáticas amorosas, gostava de fazer uso de formas poéticas simples, porém dramáticas e eficientes, utilizava a natureza não apenas como cenário, mas também como personagem, idealizava e sonhava. Seria um poeta romântico típico se não tivesse abraçado é defendido com fervor uma temática social: a abolição da escravidão no Brasil. Em uma época em que o tema ainda não tinha reconhecimento na sociedade brasileira, ainda profundamente alicerçada na escravidão, Castro Alves foi um precursor da causa e a defendeu com louvor e distinção em sua obra poética.

O fazer politico - e mesmo suas posturas pessoais - não foram tão distintas assim.

A despeito do seu apoio a eventos beneficentes e a políticos que tenham defendido a causa abolicionista, não há registros de um envolvimento político mais profundo do poeta. Talvez a política o fadigasse, talvez ele tenha morrido muito moço, de modo que não houve tempo hábil para que ele se engajasse na política. Compreende-se que Castro Alves era antes de tudo um poeta, e se dedicou de corpo e alma ao seu fazer poético. Mas suas posturas pessoais poderiam ao menos refletir um pouco da causa que defendeu com tanto talento. Nisto, não foi muito bem-sucedido:

"Os Abolicionistas deviam enfrentar diariamente problemas de consciência. Eram contrários à uma instituição que os forçava a depender dela, pois não logravam dar 3 passos sem usar escravos, já que toda a sociedade, no seu dia-a-dia, sobre eles se assentava. Para começar, suas casas dificilmente funcionariam sem eles, uma vez que por trabalho de escravo se tinham as tarefas domésticas (...). As pessoas nascidas livres ou libertas relutavam em aceitar esse tipo de trabalho, socialmente estigmatizado, e as europeias, sobretudo as portuguesas, propunham-se a ser amas de chaves, acompanhantes, governantas e preceptoras, tendo escravos sob o seu comando para as tarefas desprezíveis e pesadas." (Alberto da Costa e Silva, p. 64)

Talvez, como o próprio Alberto da Costa e Silva aponta, seja injusto exigir uma postura muito diferente dos poetas da época. E sem dúvida o trabalho de Castro Alves teve um papel fundamental na divulgação da causa:

"Muito antes de aparecerem em livro, os poemas de Castro Alves já eram nacionalmente conhecidos, sabidos de cor e até imitados. Após sua morte, com a publicação de Os Escravos e A Cachoeira de Paulo Afonso, cresceu a lenda do belo poeta que morrera tão jovem e que fora também um grande tribuno é um dos precursores da causa abolicionista. Esta começará a ganhar adeptos, e cada vez mais numerosos, nos anos que se seguiram à 1870, até se transformar, inuma década mais tarde, num movimento amplamente majoritário. Para sua propagação em muito contribuíram os poemas de Castro Alves." (Alberto da Costa e Silva, p. 174)

Portanto, não se discute a importância e a profundidade da obra poética de Castro Alves, mas se discute o seguinte: qual o papel de um artista que se engaja em uma causa social?

Carlos Drummond de Andrade é outro poeta que ganhou a alcunha de "poeta público". Artífice da Semana de Arte Moderna, ocupante de cargo público na alta gestão no Mistério da Educação, poeta em cuja obra a temática social se apresenta com intensidade (principalmente em A Rosa do Povo), Andrade é considerado "o maior poeta público do século". Sua vida - fazer político, posturas pessoais, a própria forma de sua poesia - refletiram muito do seu pensamento. Mas os tempos de Andrade eram muito diferentes dos de Castro Alves. Seria justo exigir do jovem poeta baiano o mesmo engajamento político do modernista mineiro? Mais do que isso: seria necessário? E o que seria necessário para um poeta contemporâneo ser considerado um "poeta publico", engajado e atuante nas causas sociais?

Em tempos em que as posições políticas de cada um se tornam cada vez mais públicas, e em que o conceito de arte é cada vez mais fluido, a coerência entre obra artística e atuação política e social (e também individual, dependendo do caso) se torna ainda mais relevante. Mais do que isso: a coerência entre discurso público (e redes sociais constituem um espaço para o discurso público) e prática é cada vez mais relevante, sendo a autocrítica um processo importante - não apenas para artistas, mas também para todo mundo. Afinal, o discurso publico demanda uma responsabilidade grande - que talvez a maior parte das pessoas não esteja pronta para assumir -, que é ainda maior para os artistas.

A reflexão sobre Castro Alves ser ou não um "poeta público" talvez pareça menor diante da beleza da obra do poeta, mas deve despertar em nós o problema da responsabilidade pelo discurso público - este um problema cada vez mais contemporâneo e abrangente.

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