segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O Ritmo Brasil

Logo de início, Bomfim me conquistou. A comparação de sistemas biológicos com sociais humanos, entretanto,  me incomoda muito e parece rasa, por desconsiderar a complexidade das relações humanas além de determinantes biológicos.

A comparação com o parasitismo animal insinua, ao longo de todo o livro que um certo grau de dificuldade para conseguir e conquistar certas coisas, ou todas as coisas, ou todos os confortos da vida, é necessário para o desenvolvimento da personalidade. Na construção dos estados de bem-estar social, há o raciocínio de que o estado deve prover tudo o que é básico ao seu povo, a todos os cidadãos. O que questiono é que a definição do que é básico pode variar muito, e, na nossa sociedade de consumo, pode ficar muito caro. Por exemplo, na Noruega, onde há acesso a tudo de mais avançado, será que wifi grátis pode ser considerado como direito básico? E lazer? Todo ser humano tem o direito de viajar de executiva? A existência da primeira classe torna a econômica indigna? Ou na verdade nem deveria viajar, porque viagem não é básico? Será então que o Estado deve prover também algum tipo de dificuldade para que seus cidadãos não se degenerem pelo caminho do parasitismo? Isto me lembra alguns cenários de ficção científica onde o mundo é controlado por máquinas ou déspotas ultra high tech, e  estes, para garantir uma estabilidade de vida aos humanos, inferiores, regularmente lhes inflige problemas, perdas, reviravoltas. Muitas vezes a permanência das dificuldades é descrita de maneira alegre e positiva, como sendo responsável por gerar a criatividade e as soluções de certos problemas com poucos recursos.

O livro traz uma maneira interessante de enxergar as desigualdades sociais, um vies marxista talvez, só que em vez de usar exploração propriamente dita ele prefere o termo parasitismo. E fala também da ascensão de certos e lentos do proletariado  à classe dominante,  para entrar na vaga dos parasitas degenerados. O pensamento conservador usa este tipo de argumento como evidência de que há,  sim, mobilidade social,  e que a riqueza está disponível para quem tiver talento e vontade de trabalhar. Só que isto não é verdade, pois, das consequências da desigualdade extrema que vivemos, talvez a mais nefasta seja a desigualdade de oportunidades, o principal fator de perpetuação do ciclo da pobreza.

Em uma sociedade extremamente desigual que não abre mão dos extremos de consumo, a única alternativa à pobreza é a ostentação.

Bomfim fala das indenizações que as nações europeias vieram buscar. A versão moderna disso são os manuais de comportamento e regras de conduta econômica estabelecidos pelas instituições do tratado de Breton Woods. Essas instituições impuseram ao mundo emergente, endividado (se legítima ou ilegitimamente ainda resta por esclarecer) o Consenso de Washington. Hoje em dia tanto o FMI quanto o Banco Mundial estão dando sinais de um caminho mais progressista, em que reconhecem os malefícios da extrema desigualdade, tanto do ponto de vista econômico como social. A resposta a isso não é a expansão da crítica à desigualdade e a criação de meios para resolvê-la, mas sim a redução relativa da importância dessas instituições, dando lugar às “agências de classificação de risco”, que continuam sendo respeitadas e levadas em conta mesmo depois de terem participado, nuclearmente, da gênese financeira que teve início em 2008. Isto não antecedência somente da Europa e dos EUA em relação aos países menos desenvolvidos. Dentro da própria Europa isto está acontecendo; Alemanha e França se recusam a aceitar renegociação da dívida grega,  impondo medidas de austeridade que não só pioram a situação de recessão econômica,  mas também,  através de privatizações, reduz a capacidade do Estado de se reerguer,  passando para a mão de oligarquias locais ou multinacionais (inclusive alemãs e francesas )o controle do que antes era público.

Mas como resolver essa situação? Não sei. Moratória em geral provoca caos. Revoluções em geral são pouco eficazes. Mesmo governos eleitos com plataforma antiausteridade, como o de Tsipras, na Grécia,  quando confrontados com a ameaça de não mais fazer parte do jogo financeiro/ geopolítico,  são forçados a capitular. No nível interno, no país,  Bomfim propõe a educação como saída desta sinuca. Considerando que isso foi há cem anos,  certamente não estamos na mesma situação, mas puta que pariu, cem anos! Como ele diz no livro,  pagamos um preço muito alto por não estarmos crescendo em níveis mais acelerados. Em cem anos, na verdade 50, o Canadá saiu da sua economia extrativista artesanal para um alto desenvolvimento econômico e humano.

Comparando com nossas outras leituras, este livro, menos científico e mais ensaísta, é mais apaixonado que o blasé viralata Paulo Prado,  mais nervoso que Freyre.  Inicialmente me pareceu um Veias Abertas da América Latina  (Eduardo Galeano) com toques fortes de positivismo. Jogou luzes para algo em que eu não havia pensado antes com este nível de detalhe, qual seja, a presença maciça do pensamento conservador, e como ele esteve e está presente em tudo que acontece de relevante na política. Não se pode simplesmente ignorar a classe dominate, porque ela chega e se faz ouvir, seja pela baioneta ou pelo cassetete. Como será possível fazer mudanças profundas no sistema que conserva os conservadores no poder, se essas mudanças somente serão possíveis se , em sua confecção,  a linha conservadora lá estiver para coser os termos? Certamente a tendência histórica é de um relativo apagamento da agenda conservadora no tocante aos costumes.  Também,  de fato, o país que hoje não oferece educação gratuita e saúde para todos não é considerado bem um exemplo de desenvolvimento,  mas há cerca de 70 anos não havia sistema universal de saúde no mundo. Mesmo com educação para todos, a elite encrustrada nos seus privilégios não vai ceder facilmente os anéis. O apetite capitalista é voraz e não tem fim. Negociar com os trustes,  os conglomerados internacionais, significa impor limites à exploração, cujo único objetivo é dar mais dinheiro e poder a quem já controla dinheiro e poder. O poder econômico dobra o poder político e sobra para o trabalhador. Este mesmo trabalhador que continua se fodendo,  sem acesso aos confortos da vida moderna, com maquinaria tão avançada que já em 1905 o marxista, positivista e agora keynesiano Manoel Bomfim imaginava que o trabalho bruto poderia ser relegado às máquinas, enquanto que o trabalho de refinamento pessoal e tempo livre ficaria com as pessoas. Enganou - se.

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