segunda-feira, 3 de julho de 2017

Nuance e Militância - Cara Gente Branca

O certo seria escrever um textão por episódio de Cara Gente Branca. Mas vou escrever só um textinho mesmo.

O grande mérito dessa série, comparada ao acumulado de produções anteriores sobre o tema, na minha opinião, é abordar as nuances. É comum o racismo aparecer nas artes de maneira romantizada, com situações claras de opressão. Mas em Cara Gente Branca as nuances e sutilezas, tanto do racismo quanto dos conflitos e suas possíveis soluções, são a parte principal do enredo. Elas aparecem em outras obras, mas talvez não tão problematizadas quanto nesta. As diferenças de abordagem e de pontos de vista mesmo sobre a questão racial dentro do movimento e entre suas subdivisões; a questão do amigo/ namorado branco e sua posição; o humor; as interseções da questão racial com gênero e sexualidade. Até mesmo a questão do financiamento das universidades nos EUA é pincelada. Isso tudo é mostrado a partir de situações articulando conflitos individuais e coletivos/sociais. É de fato uma série genial. 

Me chamou atenção o olhar que é dirigido ao namorado branco de Samantha White. Quando ele chega para acompanhá-la numa reunião, ele recebe olhares reprovadores, também dirigidos a ela, por namorar um branco. Isso vira uma questão. Será que todo o branco representa todo o racismo?


Mas o que me salta aos olhos, e eu acho que talvez seja um dos pontos de onde nossa discussão pode partir, é a especificidade da questão racial nos EUA e sua comparabilidade com o racismo à brasileira. O Risério já tinha apontado algo assim, como de certa forma alguns setores brasileiros se baseiam na noção racial americana da “gota de sangue”. E que isto seria artificial e “colonizado” no Brasil, já que aqui a gente trabalha mais com miscigenação. O racismo não é tudo ou nada, segue gradações de acordo com a tonalidade da pele. Outro ponto que merece destaque é que nos EUA a população negra não chega a 15%, e no Brasil ultrapassa 50%. Ainda assim, que universidade brasileira teria negros em número suficiente para criar uma comunidade como a casa onde vivem os personagens principais da série? Será que esse modelo de comunidade se aplica no Brasil, onde a mistura costuma ser o caminho? Será que a mistura ainda é o caminho escolhido pelos brasileiros? A hipótese da miscigenação pode ter perdido força desde Gilberto Freyre; e o racismo tem aparecido com mais força conforme os avanços sociais se consolidaram e, agora, são ameaçados. Na minha opinião, ainda não vivemos o período mais acirrado do racismo brasileiro. Quando o negro está na senzala, longe, é fácil não enxergar o próprio racismo. A distância tampona o conflito e o preconceito. Ele aparece mais quando o negro chega na faculdade, no avião, quando o médico ou o professor universitário são negros.

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