O certo seria escrever um textão por episódio de Cara Gente
Branca. Mas vou escrever só um textinho mesmo.
O grande mérito dessa série, comparada ao acumulado de
produções anteriores sobre o tema, na minha opinião, é abordar as nuances. É comum o racismo aparecer nas artes de maneira romantizada, com situações claras de opressão. Mas em Cara Gente Branca as nuances e sutilezas, tanto do racismo quanto dos conflitos e suas possíveis soluções, são a parte principal do enredo. Elas
aparecem em outras obras, mas talvez não tão problematizadas quanto nesta. As
diferenças de abordagem e de pontos de vista mesmo sobre a questão racial
dentro do movimento e entre suas subdivisões; a questão do amigo/ namorado
branco e sua posição; o humor; as interseções da questão racial com gênero e sexualidade. Até mesmo a questão do financiamento das
universidades nos EUA é pincelada. Isso tudo é mostrado a partir de situações
articulando conflitos individuais e coletivos/sociais. É de fato uma série
genial.
Me chamou atenção o olhar que é dirigido ao namorado branco
de Samantha White. Quando ele chega para acompanhá-la numa reunião, ele recebe
olhares reprovadores, também dirigidos a ela, por namorar um branco. Isso vira
uma questão. Será que todo o branco representa todo o racismo?
Mas o que me salta aos olhos, e eu acho que talvez seja um
dos pontos de onde nossa discussão pode partir, é a especificidade da questão
racial nos EUA e sua comparabilidade com o racismo
à brasileira. O Risério já tinha apontado algo assim, como de certa forma
alguns setores brasileiros se baseiam na noção racial americana da “gota de sangue”.
E que isto seria artificial e “colonizado” no Brasil, já que aqui a gente
trabalha mais com miscigenação. O racismo não é tudo ou nada, segue gradações
de acordo com a tonalidade da pele. Outro ponto que merece destaque é que nos
EUA a população negra não chega a 15%, e no Brasil ultrapassa 50%. Ainda assim,
que universidade brasileira teria negros em número suficiente para criar uma
comunidade como a casa onde vivem os personagens principais da série? Será que
esse modelo de comunidade se aplica no Brasil, onde a mistura costuma ser o
caminho? Será que a mistura ainda é o caminho escolhido pelos brasileiros? A hipótese
da miscigenação pode ter perdido força desde Gilberto Freyre; e o racismo tem
aparecido com mais força conforme os avanços sociais se consolidaram e, agora,
são ameaçados. Na minha opinião, ainda não vivemos o período mais acirrado do
racismo brasileiro. Quando o negro está na senzala, longe, é fácil não enxergar o próprio racismo. A distância tampona o conflito e o preconceito. Ele aparece mais quando o negro chega na faculdade, no avião, quando o médico ou o professor universitário são negros.
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